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Dano moral: ajuizamento de ação de indenização deve ser precedida de rigorosa ponderação

10/02/15

Para a ciência jurídica dano moral é “qualquer sofrimento humano que não é causado por uma perda pecuniária e abrange todo atentado à sua segurança e tranquilidade, ao seu amor próprio estético, à integridade de sua inteligência, às suas afeições etc...”. (Caio Mario da Silva Pereira, dentre outros)

Diante da amplitude e subjetividade em sua definição, o instituto do dano moral vem sendo reiteradamente invocado em ações indenização, em relação as quais, ao final, a Justiça acaba entendendo por descabidas, sob o entendimento que o sofrimento alegado por quem entra com a ação, no fundo, não representaria mais do que um mero dissabor. O Judiciário acaba por concluir que a intenção do litigante, muitas vezes, está limitado apenas na busca de algum enriquecimento sem causa.

Estudo divulgado nesta semana pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que representa a última instância judicial do país na função de interpretação de leis federais, aponta preocupação dos Ministros da Corte, que estariam se deparando “diariamente com pedidos sem propósito e que sobrecarregam uma Justiça em busca de soluções para a crescente quantidade de processos”.

Vale dizer, a Justiça estaria a empreender um “esforço diário da Justiça para evitar a indústria das indenizações”, segundo palavras do estudo.

Daí que o ajuizamento de ação de indenização deve ser precedida de rigorosa ponderação. E, como ocorre para qualquer investida judicial, o primeiro “juiz da causa”, para tanto, será o advogado, único profissional que, detendo o conhecimento técnico e atualização quanto ao pensamento dos tribunais, estará qualificado para avaliar a conveniência do ajuizamento (ou não) das medidas visando a reparação do dano alegado pelo interessado.

No referido estudo o STJ relaciona cases em que se discutiu a ocorrência de dano moral e os critérios que têm norteado a Corte, os quais reproduzimos a seguir:

Aborrecimentos diários

No REsp 1.399.931, de relatoria do ministro Sidnei Beneti (já aposentado), o recorrente comprou um tablet pela internet para presentear o filho no Natal. A mercadoria não foi entregue, e o consumidor apresentou ação de indenização por danos morais.

De acordo com Beneti, a jurisprudência do STJ tem assinalado que os aborrecimentos comuns do dia a dia, “os meros dissabores normais e próprios do convívio social, não são suficientes para originar danos morais indenizáveis”.
Para ele, a falha na entrega da mercadoria adquirida pela internet configura, em princípio, “mero inadimplemento contratual, não dando causa a indenização por danos morais.

Apenas excepcionalmente, quando comprovada verdadeira ofensa a direito de personalidade, será possível pleitear indenização a esse título”.

Segundo Beneti, o descumprimento contratual nesse caso não trouxe outras consequências, como a frustração de um evento familiar especial ou a inviabilização da compra de outros presentes de Natal. Também não ficou comprovado que o tablet seria dado de presente ao filho adolescente. Nem mesmo a existência do menor ficou demonstrada nos autos.

Por essas razões, a Terceira Turma do STJ, de maneira unânime, decidiu que não são devidos danos morais ao consumidor que adquire pela internet mercadoria para presentear e não a recebe conforme esperado.

Transtorno em viagem

Na mesma linha do processo anterior, a Quarta Turma, também de maneira unânime, decidiu que atraso em voo doméstico inferior a oito horas, sem a ocorrência de consequências graves, não gera dano moral.

Conforme explicou o ministro Luis Felipe Salomão, relator do REsp 1.269.246, a verificação do dano moral “não reside exatamente na simples ocorrência do ilícito”, pois nem todo ato em desacordo com o ordenamento jurídico possibilita indenização por dano moral.

Para ele, o importante é que “o ato seja capaz de irradiar-se para a esfera da dignidade da pessoa, ofendendo-a de maneira relevante”. Por isso, Salomão diz que a doutrina e a jurisprudência têm afirmado de maneira “uníssona” que o mero inadimplemento contratual não se revela bastante para gerar dano moral.

Nesse caso, tanto o juízo de primeira instância quanto o tribunal local afirmaram que não ficou demonstrado nenhum prejuízo adicional além do atraso do voo, de aproximadamente oito horas, pois a Gol Transportes Aéreos S/A forneceu duas opções para os passageiros: estadia em hotel custeado pela companhia ou viagem de ônibus até o aeroporto de outra cidade, de onde partiria um voo para o destino pela manhã.

Segundo Salomão, a melhor doutrina leciona que “só se deve reputar como dano moral a dor, o vexame, o sofrimento ou mesmo a humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, chegando a causar-lhe aflição, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar”.

Todos estão sujeitos

No REsp 1.234.549, o relator, ministro Massami Uyeda (já aposentado), afirmou que as recentes orientações do STJ caminham no sentido de afastar indenizações por dano moral na hipótese em que há apenas aborrecimentos aos quais todos estão sujeitos.

Os recorrentes compraram imóvel em um condomínio residencial pelo valor de R$ 95 mil e, após a mudança, constataram diversos problemas como infiltrações, vazamentos e imperfeição do acabamento. Tais fatos geraram danos aos móveis da residência e problemas de saúde no filho dos proprietários em consequência do mofo.

Os recorrentes pleitearam a rescisão contratual, a devolução do valor pago e a condenação em danos morais no valor de R$ 20 mil.

Segundo Uyeda, os problemas ocorridos no apartamento, embora tenham causado frustração, por si sós não justificam indenização por danos morais. Para ele, mesmo que os defeitos de construção tenham sido constatados pelas instâncias de origem, “tais circunstâncias não tornaram o imóvel impróprio para o uso”.

“A vida em sociedade traduz, em certas ocasiões, dissabores que, embora lamentáveis, não podem justificar a reparação civil por dano moral”, afirmou o ministro.

Em outro julgamento da Quarta Turma, os ministros decidiram que a aquisição de produto impróprio para o consumo, quando não há ingestão, configura hipótese de mero dissabor vivenciado pelo consumidor, o que afasta qualquer pretensão indenizatória.

A discussão se deu no julgamento do AREsp 489.325, de relatoria do ministro Marco Buzzi, e tratou do caso de um consumidor que comprou lata de extrato de tomate com odor e consistência alterados. A lata de extrato possuía colônias de fungos. O consumidor não ingeriu o produto, mas pediu indenização por danos morais no valor de R$ 6 mil e a devolução do valor pago pela lata.

Buzzi afirmou que o vício constatado no produto autoriza a indenização por dano material, correspondente ao valor efetivamente pago. Entretanto, como não houve ingestão do produto, a condenação do fabricante em danos morais ficou afastada, “em razão da inexistência de abalo físico ou psicológico vivenciado pelo consumidor”.

Porta giratória

No REsp 1.444.573, os ministros da Terceira Turma afastaram o dano moral em ação de reparação proposta por policial militar que alegou constrangimento ao ficar travado na porta giratória de uma agência do Banco Santander porque estava armado.

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) reconheceu o dano moral e fixou o valor da indenização em R$ 33.900. Contudo, o ministro João Otávio de Noronha explicou que é obrigação da instituição financeira promover a segurança de seus clientes, sendo exercício regular de direito a utilização de porta giratória com detector de metais.

Segundo o ministro, não caracteriza ato ilícito passível de indenização por dano moral o simples travamento da porta giratória na passagem de policial militar armado, ainda que fardado.

De acordo com Noronha, a responsabilidade do banco em indenizar surge somente quando praticada conduta “negligente, discriminatória ou abusiva que provoque situação desproporcional e vexatória”, o que não ficou constatado no caso.

Dano efetivo

Em sentido contrário aos dissabores apresentados anteriormente, no REsp 1.395.285, de relatoria da ministra Nancy Andrighi, foi analisada a situação de um consumidor que comprou carro zero quilômetro fabricado pela Ford Motor Company Brasil, o qual apresentou vários problemas.

Após apenas seis meses da aquisição do automóvel, ele apresentou mais de 15 defeitos em componentes distintos, alguns ligados à segurança – “ultrapassando em muito a expectativa nutrida pelo recorrido ao adquirir o bem”, afirmou a ministra Nancy Andrighi.

Tais defeitos obrigaram o consumidor a retornar por seis vezes à concessionária para que os reparos fossem efetuados. Ainda por cima, na última vez, um preposto da concessionária bateu o carro do cliente.

A ação proposta na primeira instância era de rescisão do negócio, cumulada com restituição dos valores pagos e indenização por danos morais. O TJSP fixou a indenização por danos morais em R$ 7.600. Inconformada, a Ford recorreu ao STJ alegando que os percalços sofridos pelo consumidor caracterizavam apenas “um inconveniente, um transtorno sem qualquer repercussão no mundo exterior”.

De acordo com a ministra, em regra, eventual defeito em veículo se enquadra no conceito de simples aborrecimento, incapaz de causar abalo psicológico, “sendo de se esperar certo grau de tolerância do consumidor na solução do problema pelo fornecedor”.

Entretanto, os ministros da Terceira Turma foram unânimes no entendimento de que a quantidade de defeitos apresentados pelo veículo extrapolou o razoável, inclusive porque parte deles estava ligada a problemas no cinto de segurança, nos discos e pastilhas de freio e na barra de direção – fatores que, segundo o colegiado, reduzem não apenas a utilidade do bem, mas a própria segurança do condutor e dos passageiros.

Por isso, a Turma considerou que esses defeitos “causaram ao recorrido frustração, constrangimento e angústia, superando a esfera do mero dissabor para invadir a seara do efetivo abalo moral”.

Conclusão

A exemplificação, evidentemente, serve apenas para apontar os critérios gerais pelos quais as decisões judiciais superior tem se pautado. Como tudo o que diz respeito a processo judicial, não há forma pronta; cada caso deverá ser analisado individualmente, a partir de suas circunstâncias peculiares. E assim, como dito no início deste texto, caberá sempre ao advogado do interessado, na qualidade de seu consultor jurídico, avaliar e ponderar as situações individuais, para concluir da viabilidade (ou não) do ingresso da medida judicial.

[ Compilação da notícia feita pela equipe de advogados da Teixeira Filho Advogados Associados, de Joinville, a partir de dados obtidos do site do STJ - Permitida a reprodução deste texto desde que mencionada a fonte "Teixeira Filho Advogados Associados" e o link www.teixeirafilho.com.br ]

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