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Artigo: É possível a apresentação de Balanços Intermediários para comprovar qualificação financeira em licitações?

15/05/18

Miguel Teixeira Filho

Este breve texto analisa se é possível a apresentação de balanços intermediários para comprovar qualificação econômico-financeira em licitações públicas. Mais especificamente, aqui se trata dos casos em que ocorreu aumento de capital social posteriormente ao último balanço anual encerrado. 

Ao tratar dos documentos de qualificação financeira nas licitações, o artigo 31, inciso I, da Lei 8666/93 (Lei de Licitações) refere:

 “(...) balanço patrimonial e demonstrações contábeis do último exercício social, já exigíveis e apresentados na forma da lei, que comprovem a boa situação financeira da empresa, vedada a sua substituição por balancetes ou balanços provisórios (...)” 

Dessa redação pode parecer, à primeira vista, que o concorrente interessado na licitação não terá como apresentar balanço que reflita o aumento de capital social ocorrido no exercício corrente ao da licitação. 

No entanto, não nos parece que seja esta a "mens legis" (o espírito da lei). 

Em primeiro lugar, deve ser considerado que o objetivo fim da exigência de balanço patrimonial é verificar se a organização a ser contratada encontra-se em situação econômico-financeira que indique capacidade para executar o contrato.

Assim, é forçoso admitir que, em algumas situações excepcionais, a apresentação do balanço patrimonial do ano anterior pode ser insuficiente ou inútil para tal averiguação. Exemplo dessas situações é a empresa ter passado por operações societárias de fusão ou incorporação, ter experimentado reavaliação de seus ativos ou ainda ter aumentado o seu capital social no exercício corrente ao da licitação. Evidentemente que o balanço do exercício anterior poderá não refletir a real situação patrimonial da organização no momento da participação da licitação, com o risco de excluí-la do certamente, prejudicando o princípio básico da licitação que é o de obter o maior número possível de propostas vantajosas para a administração.

O Superior Tribunal de Justiça já assentou entendimento que a Lei não impõe para a Administração, necessariamente, a obrigação de exigir a apresentação de balanço patrimonial para aferir a capacidade econômico financeira dos participantes, uma vez que tal requisito pode, em tese, ser comprovado por outros meios. Nesse sentido: 

RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. EDITAL. ALEGATIVA DE VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 27, III E 31, I, DA LEI 8666/93. NÃO COMETIMENTO. REQUISITO DE COMPROVAÇÃO DE QUALIFICAÇÃO ECONÔMICO-FINANCEIRA CUMPRIDA DE ACORDO COM A EXIGÊNCIA DO EDITAL. RECURSO DESPROVIDO. 1. A comprovação de qualificação econômico-financeira das empresas licitantes pode ser aferida mediante a apresentação de outros documentos. 2. A Lei de Licitações não obriga a Administração a exigir, especificamente, para o cumprimento do referido requisito, que seja apresentado o balanço patrimonial e demonstrações contábeis, relativo ao último exercício social previsto na lei de licitações (art. 31, inc. I ), para fins de habilitação.
"In casu", a capacidade econômico-financeira foi comprovada por meio da apresentação da Certidão de Registro Cadastral e certidões de falência e concordata pela empresa vencedora do Certame em conformidade com o exigido pelo Edital. 3. Sem amparo jurídico a pretensão da recorrente de ser obrigatória a apresentação do balanço patrimonial e demonstrações contábeis do último exercício social, por expressa previsão legal. 4. Na verdade, não existe obrigação legal a exigir que os concorrentes esgotem todos os incisos do artigo 31, da Lei 8666/93. 5. A impetrante, outrossim, não impugnou as exigências do edital e acatou, sem qualuqer protesto, a habilitação de todas as concorrentes.
Impossível, pelo efeito da preclusão, insurgir-se após o julgamento das propostas, contra as regras da licitação.
6. Recurso improvido. REsp 402.711/SP, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 11/06/2002, DJ 19/08/2002, p. 145)

Portanto, o artigo 31, I, da Lei de Licitações encerra uma faculdade para a Administração, o que deverá constar do Edital. Na prática, no entanto, se vê que a maioria dos editais de licitação adotam tal prática (a de exigir a apresentação do balanço do último exercício). 

Todavia, o que a lei veda é a apresentação de “balanços provisórios”.

E, assim, há que se diferenciar balanços provisórios de balanços intermediários. Balanços provisórios são aqueles feitos extraoficialmente, para alguma necessidade específica, podendo ser posteriormente ajustados. Diferentemente, balanços intermediários são documentos que espelham a real situação patrimonial na data do seu levantamento, assumem caráter definitivo, desde que assinados por contador, pelo representante legal da pessoa jurídica e devidamente lançados no Livro próprio autenticado pela Junta Comercial

Nesse sentido, explica Marçal Justen Filho: 

(...) não se confunde balanço provisório com balanço intermediário. Aquele consiste em uma avaliação precária, cujo conteúdo não é definitivo. O balanço provisório admite retificação ampla posterior e corresponde a um documento sem maiores efeitos jurídicos. Já o balanço intermediário consiste em documento definitivo, cujo conteúdo retrata a situação empresarial no curso do exercício. A figura do balanço intermediário deverá estar prevista no estatuto ou decorrer de lei. (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, São Paulo : Dialética Editora. 12ª edição, 2008. p. 443)

Em específico no que diz respeito aos eventos supervenientes, como é o caso do aumento do capital social, o mesmo Marçal Justen Filho aponta:

(...) não há empecilho
à licitante fundar sua capacitação econômico-financeira em eventos ocorridos no
curso do exercício, não refletidos em demonstrações financeiras anteriores.
Assim, suponha-se que a empresa em situação de alguma precariedade financeira
tenha promovido aumento de capital mediante emissão de novas ações. Os novos
recursos acarretaram sua capitalização. As demonstrações financeiras do
exercício anterior podem conter dados insuficientes para satisfazer os
requisitos do edital. É óbvio, porém, que evento superveniente alterou o
panorama e deverá ser considerado pela Administração. Isso não é impedido pela
vedação à apresentação de balanços provisórios. Quando promove elevação de
capital, a nova situação contábil não se retrata em um “balanço provisório”. A
provisoriedade do balanço se caracteriza quando inexistir sua aprovação por ato
formal da sociedade. É provisório o balanço destinado a ser confirmado
posteriormente, o que importa implícita e inafastável ressalva a seus
termos. Não será necessário aguardar o término do exercício para levantar
novas demonstrações que nada mais farão do que retratar aquilo que já ocorrera
definitivamente no âmbito da sociedade. Pelos mesmos motivos, a sociedade que
delibera pela reavaliação de seus ativos também pode invocar os resultados para
fins de licitação. Tendo formalmente aprovado a reavaliação, os efeitos se
retraram em balanço que não é provisório. Idêntico raciocínio se aplica aos
casos de reorganização empresarial. Havendo fusão ou incorporação, consideram-se
as demonstrações financeiras daí decorrentes. Pelos motivos expostos, a redução
patrimonial também deverá ser considerada imediatamente. Se uma sociedade
for submetida à cisão, a redução patrimonial poderá impedir sua participação. A
sociedade cindida não poderá invocar demonstrações financeiras de exercício
pretérito, atinente à época anterior à realização da cisão.(JUSTEN FILHO,
Marçal. Obra citada. p. 443-444)

Portanto, em conclusão, principalmente se houver previsão no contrato social para extração de balanços intermediários, podemos dizer que é perfeitamente cabível a comprovação da situação patrimonial atualizada da organização, por meio de balanço patrimonial intermediário, desde que o documento esteja assinado por contador, pelo representante legal da pessoa jurídica e devidamente lançado no Livro próprio autenticado pela Junta Comercial.


Miguel Teixeira Filho é advogado em Joinville, sócio fundador da Teixeira Filho Advogados.


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