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Sociedade empresarial: como se procede na apuração dos haveres dos sócio retirante?

28/11/22

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Por Miguel Teixeira Filho

Nas sociedades empresariais cujo contrato social prevê prazo indeterminado de duração (em geral, é assim que são redigidos os contratos sociais) a lei faculta que a qualquer um dos sócios se retirar da sociedade. O direito de retirada, nestes casos, pode ser exercido a qualquer momento e sem necessidade de apresentação de justificativa, bastando notificação aos demais sócio, com antecedência mínima de sessenta (60) dias, se prazo maior não tiver sido estipulado no contrato social.

A matéria está disciplinada no artigo 1.029 do Código Civil, assim redigido: 

Art. 1.029. Além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer sócio pode retirar-se da sociedade; se de prazo indeterminado, mediante notificação aos demais sócios, com antecedência mínima de sessenta dias; se de prazo determinado, provando judicialmente justa causa.

Parágrafo único. Nos trinta dias subsequentes à notificação, podem os demais sócios optar pela dissolução da sociedade.

O direito de retirada, a qualquer tempo, tal como previsto no art. 1.029 do CC, encontra suas raízes no artigo 5º, inciso XX, da Constituição Federal, o qual assegura que “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”.

Nos casos em que o contrato social prevê prazo determinado de duração, o sócio pode exercer o direito de retirada antecipado. No entanto, nestes casos, não havendo concordância dos demais sócios, o sócio retirante deverá ajuizar ação própria, provando a ocorrência de justa causa para sua retirada antecipada. 

Em síntese: 

a) nos casos de contrato social por prazo indeterminado, o sócio pode exercer o direito de retirada, a qualquer tempo, sem a necessidade de provar justa causa, bastando a comunicação aos demais sócios com antecedência mínima de 60 dias, se outro prazo maior não tiver sido estipulado no contrato social; 

b) na hipótese de contrato social com prazo determinado de duração da sociedade, se não houver acordo com os demais sócios, o sócio retirante terá que ajuizar ação própria para o juiz validar sua retirada, ocasião em que deverá provar justa causa para sua pretensão de desligamento.

c) Também será o caso de ajuizamento de ação judicial nos casos em que, mesmo sendo sociedade por prazo indeterminado, os sócios não chegarem à consenso quanto o valor a ser pago ao sócio retirante, pela liquidação de suas quotas. Esta ação está disciplinada nos artigos 599 a 609 do Código de Processo Civil.


Viabilização da retirada do sócio


A retirada do sócio pode se dar por duas formas:  

(I) Os sócios remanescentes adquirem as quotas do sócio retirante, com recursos próprios e mediante o preço que entre si ajustarem. Nesta hipótese o valor do capital social permanecerá inalterado;  

(II) Procede-se à liquidação das quotas do sócio retirante, pagando-lhe os haveres correspondentes a tais quotas. Neste caso, haverá redução do capital social, ocorrendo o que se chama de “dissolução parcial da sociedade”.


Liquidação das quotas e apuração dos haveres.


Como se deve proceder na liquidação das quotas e apuração dos haveres do sócio retirante?

Na ausência de disposições no contrato social, deve ser observado o procedimento previsto no artigo 1.031 do Código Civil, nos termos seguintes:

Art. 1.031. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado.

§ 1º O capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os demais sócios suprirem o valor da quota.

§ 2º A quota liquidada será paga em dinheiro, no prazo de noventa dias, a partir da liquidação, salvo acordo, ou estipulação contratual em contrário.


Data da resolução (data do corte)


Da leitura do dispositivo supra deflui que, em primeiro lugar, há que definir a “data da resolução” da sociedade com o sócio retirante, ou seja, a data em que se extingue o vínculo societário entre as partes.

O conhecimento da data da resolução é essencial, porquanto é a data-base, data de corte, para apuração dos haveres e definição de responsabilidades mútuas. Interessa, para definição do valor dos haveres do sócio retirante, a situação patrimonial que a empresa apresenta nesta data de resolução. Nem um dia a mais. Veja-se o que diz o Superior Tribunal de Justiça:

(...)
2. O propósito recursal é definir a data-base para apuração dos haveres devidos ao sócio em caso de dissolução parcial de sociedade limitada de prazo indeterminado.
3. O direito de recesso, tratando-se de sociedade limitada constituída por prazo indeterminado, pode ser exercido mediante envio de notificação prévia, respeitado o prazo mínimo de sessenta dias. Inteligência do art. 1.029 do CC.
4. O contrato societário fica resolvido, em relação ao sócio retirante, após o transcurso de tal lapso temporal, devendo a data-base para apuração dos haveres levar em conta seu termo final.
(Superior Tribunal de Justiça - REsp n. 1.735.360, de 2019.)


Nos casos de retirada extrajudicial (sociedade de prazo indeterminado) a data da resolução será o término do prazo fixado na notificação de saída (referido no primeiro parágrafo deste artigo), conforme dispõe o art. 605, II, do Código de Processo Civil.

No casos em que for movida ação judicial para dissolução parcial (sociedade por prazo determinado ou inexistência de acordo na sociedade por prazo indeterminado) a data da resolução  será aquela fixada pelo juiz. Em geral, é data em que venceu o prazo da notificação de retirada (posto que, também nesta hipótese, a notificação se faz necessária).


Procedimento da liquidação das quotas


Definida a data da resolução da sociedade, a liquidação das quotas e apuração de haveres (salvo disposição em contrário no contrato social, como já dito) seguirá o seguinte procedimento:

1 – A administração da sociedade deverá ordenar o levantamento de balanço especial (balanço de determinação) para verificar a situação patrimonial da sociedade à data da resolução (data-base).

2  - O balanço especial determinará o valor patrimonial das quotas na data-base, definindo-se, assim, o valor a ser pago ao sócio retirante, o que corresponderá, obviamente, à quantidade de quotas que detém em relação à sociedade.

3 – As quotas liquidadas deverão ser pagas em dinheiro, no prazo de noventa (90) dias, a partir “do evento que deu ensejo à dissolução parcial” (ULHOA COELHO, 2008), ou seja, a partir da data-base da resolução. Salvo se o contrato social estabelecer prazo diferente, ou se houver acordo entre as partes em outro sentido.


Critérios a serem observados no balanço de determinação


Um dos momentos em que ocorre a maior parte dos litígios entre os sócios é na apuração dos haveres do sócio retirante. Por evidente que quem sai tem o interesse em elevar ao máximo o que tem a receber da sociedade, ao tempo em que os que permanecem interessa que a sociedade pague o menor valor possível.

Evidentemente que o pagamento das quotas do sócio retirante não se fará com base no valor nominal destas expresso no contrato social (capital social), posto que o valor inicialmente investido pelo sócio terá sofrido flutuações para mais ou para menos. Daí que se faz necessário a apuração do valor patrimonial das quotas à época da data da resolução, o que será apurado pelo chamado balanço de determinação.

O balanço de determinação, portanto, será um balanço especialmente levantado para fins de definição do valor patrimonial das quotas, não servindo para tanto o balanço ou balancetes que ordinariamente a empresa levanta ao final de cada período (ano ou meses).

É consenso na doutrina e jurisprudência a regra, segundo a qual, na apuração de haveres, na dissolução parcial da sociedade, o sócio não pode receber valor diverso, nem maior, nem menor, que receberia como partilha caso ocorresse a dissolução total da sociedade, ou seja, se a empresa fosse encerrada (ULHOA COELHO). Tal orientação assegura o equilíbrio na composição de interesses. Confira-se do Superior Tribunal de Justiça:

Na dissolução de sociedade por cotas de responsabilidade limitada, a apuração de haveres do sócio retirante deve ter em conta o real valor de sua participação societária, como se de dissolução total se tratasse. (Recurso Especial 105.667/SC, de 2000)

Assim é que o art. 606 do Código de Processo Civil estatui que, sendo omisso o contrato social a respeito dos critérios para apuração dos haveres, o balanço de determinação avaliará os “bens e direitos do ativo, tangíveis e intangíveis, a preço de saída, além do passivo também a ser apurado de igual forma”.

Além de ter que considerar o bens e direitos do ativo pelo preço de saída (não o simplesmente constante dos registros contábeis, que poderão estar superestimados ou subestimados), bem como o passivo de igual forma, o balanço de determinação ainda terá que considerar os eventuais ativos e passivo ocultos existentes na sociedade, os quais, pela sua natureza, podem não constar dos registros contábeis, como, por exemplo:

Ativos ocultos

a) Marcas e patentes;
b) Créditos tributários, bancários, comerciais em discussão administrativa ou judicial;
c) Créditos tributários em levantamento ou a serem levantados.

Passivos ocultos

a) Encargos com rescisões trabalhistas;
b) Débitos tributários, trabalhistas, de origem ambiental, dívidas bancárias e comerciais em discussão administrativa ou judicial;
c) Possíveis autuações ambientais

Dado que o procedimento de mensuração de valores patrimoniais e consequentes ajustes nas demonstrações contábeis requerem conhecimento técnico específico, além do que a matéria de adições e exclusões de elementos de ativo e passivo comporta intensa discussão, convém que a empresa, partes interessadas e advogado valham-se do assessoramento de perito contábil, o qual tem condições de efetuar análise detida de cada caso para fornecer as informações e fundamentos fáticos para uma avaliação o mais próxima possível do equilíbrio no interesse das partes.


A adoção do método do fluxo de caixa descontado


Até recentemente grassava certo dissenso na jurisprudência dos tribunais do país acerca da aplicação do método do fluxo de caixa descontado para apuração de haveres no casos de dissolução parcial de sociedades (não só no caso de retirada espontânea de sócio, mas também nas hipóteses de exclusão ou falecimento).

No entanto, parece que a partir do julgamento do Recurso Especial 1.877.331, em 13/04/2021, pela Terceira Turma, a jurisprudência, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, passou a se consolidar no sentido da impossibilidade de adoção do método do fluxo de caixa descontado para apuração dos haveres do sócio retirante. A decisão referida tem o seguinte resumo:


(...)
3. O artigo 606 do Código de Processo Civil de 2015 veio reforçar o que já estava previsto no Código Civil de 2002 (artigo 1.031), tornando ainda mais nítida a opção legislativa segundo a qual, na omissão do contrato social quanto ao critério de apuração de haveres no caso de dissolução parcial de sociedade, o valor da quota do sócio retirante deve ser avaliado pelo critério patrimonial mediante balanço de determinação.
4. O legislador, ao eleger o balanço de determinação como forma adequada para a apuração de haveres, excluiu a possibilidade de aplicação conjunta da metodologia do fluxo de caixa descontado.
5. Os precedentes do Superior Tribunal de Justiça acerca do tema demonstram a preocupação desta Corte com a efetiva correspondência entre o valor da quota do sócio retirante e o real valor dos ativos da sociedade, de modo a refletir o seu verdadeiro valor patrimonial.
6. A metodologia do fluxo de caixa descontado, associada à aferição do valor econômico da sociedade, utilizada comumente como ferramenta de gestão para a tomada de decisões acerca de novos investimentos e negociações, por comportar relevante grau de incerteza e prognose, sem total fidelidade aos valores reais dos ativos, não é aconselhável na apuração de haveres do sócio dissidente.
7. A doutrina especializada, produzida já sob a égide do Código de Processo Civil de 2015, entende que o critério legal (patrimonial) é o mais acertado e está mais afinado com o princípio da preservação da empresa, ao passo que o econômico (do qual deflui a metodologia do fluxo de caixa descontado), além de inadequado para o contexto da apuração de haveres, pode ensejar consequências perniciosas, tais como (i) desestímulo ao cumprimento dos deveres dos sócios minoritários; (ii) incentivo ao exercício do direito de retirada, em prejuízo da estabilidade das empresas, e (iii) enriquecimento indevido do sócio desligado em detrimento daqueles que permanecem na sociedade.

Da Quarta Turma do mesmo Superior Tribunal de Justiça:

1.1. Com efeito, verifica-se que o entendimento firmado pelo Colegiado local está em harmonia com a jurisprudência desta Corte, porquanto "o legislador, ao eleger o balanço de determinação como forma adequada para a apuração de haveres, excluiu a possibilidade de aplicação conjunta da metodologia do fluxo de caixa descontado" (AgInt no AREsp n. 1.736.426/SP, de 28/10/2021.)

Tais decisões apontam que, de fato, não é possível se adotar o critério de avaliação baseado no valor econômico da empresa (fundo de comércio), pois isso resultaria por reconhecer participação do sócio retirante nos resultados futuros da sociedade, o que é incongruente, pois este não mais participará nos riscos do negócio.

Portanto, ficando claro que os haveres do sócio retirante serão apurados sempre levando em conta critério patrimoniais e não econômicos, torna-se mais importante ainda que o contrato social – no interesse dos sócios – contenha diretrizes específicas e claras a respeito da forma como o valor patrimonial da sociedade será apurado, não só em caso de retirada espontânea do sócio, mas também nas outras formas de desligamento (exclusão ou falecimento), para que haja equilíbrio entre os interesses. 

Observando o empresário que seu contrato social não contém tais detalhamentos, é recomendável que o documento seja submetido a advogado com conhecimento no direito societário, para revisão e eventual adição de regras, até porque as diretrizes para apuração de haveres em caso de retirada de sócio, em geral, também se aplicam para os casos de falecimento ou outras hipóteses de desligamento.

Um contrato social bem redigido permite uma melhor segurança jurídica não só para as partes envolvidas, como também para seus sucessores. 


(*) Miguel Teixeira Filho é advogado em Joinville, sócio fundador da Teixeira Filho Advogados.

Autorizada a reprodução deste texto, desde que citado o autor e o link www.teixeirafilho.com.br

(Imagem: CanvaPro)



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